
“O Julgamento Pelicot. Tributo a Gisèle Pelicot” de Milo Rau e Servane Dècle

«A vergonha deve mudar de lado». Com estas palavras, bem como com a sua decisão de tornar público o seu julgamento, Gisèle Pelicot tornou-se um símbolo na luta para acabar com a violência contra as mulheres. O caso de violação ocorrido em Mazan, pequena cidade no sul de França, revela como homens comuns de todas as idades e origens sociais são capazes de cometer um crime desumano: a violação repetida de uma mulher inconsciente.
Concebido como uma vigília performativa com duração de 6h, a cena transforma-se num tribunal expandido, onde se reconstrói o julgamento a partir de centenas de horas de testemunhos, provas, entrevistas, análises forenses, registos visuais, colagens e textos académicos. A encenação de Milo Rau, em colaboração com a dramaturga e ativista Servane Dècle, não procura reconstituir os factos, mas criar uma arquitetura de escuta, memória e resistência.
Num tempo em que a justiça é tantas vezes palco de revitimização, “O Julgamento Pelicot” devolve a dignidade da voz a quem foi silenciado. O público, como testemunha, percorre uma topografia emocional e política que torna visível a paisagem do trauma. No cenário simbólico do Panteão Nacional, este projeto devolve à arte a sua função pública: fazer ver, fazer sentir, e, acima de tudo, fazer lembrar.
Este espetáculo entra em ressonância com a próxima vinda, em novembro, da filósofa Manon Garcia, que apresentará a tradução em português do seu livro, publicada pela editora Zigurate, Viver com homens – Reflexões sobre o caso Pelicot.